Criamos filhos sem apoio. Vivemos uma vasta solidão, nos perdemos de nós mesmas. E umas das outras. É preciso resgatar a conexão ao nosso mundo feminino e nos apoiarmos mutuamente.
Por Ana Kessler 24/set 13:54
Então resolvi que, para não cair no risco deste texto virar um muro das lamentações, vou mudar um pouco o enfoque. E voltar no tempo, numa reflexão sobre como nós, mulheres, dissolvemos sem querer a rede de apoio feminina que sempre tivemos para criarmos nossos filhos e nos isolamos catastroficamente. O que nos levou a este isolamento? Quando foi que nos perdemos de nós mesmas? E umas das outras? Ainda dá tempo de resgatar o costume de nos apoiarmos mutuamente?
Desde que o mundo é mundo vivemos em tribos. Fomos civilizando, mas em geral a formação dos clãs permaneceu igual: formada por laços familiares. O que quer dizer que mães, avós, tias, primas, sobrinhas, unidas pelo sangue e muitas vezes morando na mesma casa ou região, teciam juntas seus destinos. Quando nascia uma criança era uma festa, um acontecimento celebrado com dança e riso, mais um fruto que vingava na árvore genealógica daquela família. A mãe era cortejada e cercada de mimos e cumprimentos. O último pensamento que passava pela sua cabeça era “Meu Deus, e agora, como vou criar esse bebê sozinha?”. Ela nunca estava sozinha.
Sim, conquistamos o mercado de trabalho. Agora temos pró-labore, independência, autonomia. Foi-se a época dos papéis pré-determinados, da mulher bibelô, sem “valor”, incapaz de votar, de opinar, de decidir, de se autogerenciar, de ir e vir. Da dona de casa que não “trabalhava”. Dizimamos esse passado inglório e na explosão nuclear arrasamos junto o lado bom: o exercício da convivência. Quando foi a última vez que você reuniu amigas para um descompromisso regado a gargalhadas?
A união com outras mulheres era a nossa força, conhecimentos milenares e ancestrais eram passados de geração para geração. Exatamente o que descartamos. Evoluímos tanto que, de seres gregários, passamos a ermitãs urbanas. Nossa essência feminina da troca de experiências, do conversar para organizar ideias e sentimentos, de acalentarmo-nos minguou. O conhecimento oral tornou-se digital. Teclamos, postamos, estamos cercadas de ausências físicas. Cada vez mais conectadas e sentindo falta de conexão. De toque, olho no olho, sorriso sem Photoshop. Onde habita a nossa força? O que fizemos do nosso poder?
Então viramos mães e deixamos nosso mundo interior ainda mais faminto. Como num turno de fábrica, nos revezamos para cuidar dos filhos. Sai marido, entra babá, sai babá, entra sogra, sai sogra, entramos nós. Ou, como no meu caso, atuo 24h. E assim seguimos. Só falta instalar um cartão-ponto na soleira da porta. Onde havia seres humanos agora há eletrodomésticos. Preparamos comidas em um minuto depois de jogar todos os ingredientes no liquidificador. Nosso melhor amigo é o micro-ondas, nossa melhor amiga é a internet. Até quando? Essa é a vida que queremos deixar de herança para os nossos pequenos?
Meu lado mãe está desamparado talvez porque eu esteja investindo pouco em mim mesma. Uso a desculpa de que não tenho ajuda para não me ajudar. E se eu simplesmente me priorizar? É hora de pensar com seriedade no assunto. Deixar esta que me tornei virar cinzas. E, feito Fênix, renascer.
Por: Ana Kessler
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